O homem e a Filosofia – vidas existenciais

… Ou o mais apropriado seria “existências vitais”? — Gente questionadora mal dorme, é porque pensa demais. Pençá1, aliás, tem sido coisa rara de se vê. Mas quando a gente vê, irradia do corpo as esperança, dá uma faceirice podê lê, escutá, e até trocá alguma ideia. Dá até um alento, essa gente que pensa.

Num dia a gente acorda que mal pode levantá da cama, tamanho é o desânimo com o que se vê na vida. Noutro dia ocê passa a noite em claro matutando e antes do galo cantá e dos passarinho se assanhá, passa um café que perfuma a casa toda, tira o pão do forno e faz do começo uma nova alegria. A vida era pra sê assim, simples como acordá de manhã propondo um dia de satisfação. Perfumada com as beleza da Natureza. Tem coisa mió do que acordá de manhã e senti o cheiro de terra moiada? Daí passa um café torrado no ponto, e o pão sai do forno… hummm! Se é Primavera, o perfume das flores. Se é Outono, o aroma das frutas. Se é Inverno, a lenha queimando e a sopa fervendo. Ou o nariz gelando. Verão é calor demais, cheiro da limonada que refresca, do banho de cachoeira, ou da caminhada no mato dos morro verde, por aí…

Homi é bicho antigo, dizem que tá evoluindo… sei não. Noutro dia apareceram uns aqui nas minhas roça mais eu, disseram que queriam comprá o meu cercado todinho pra plantá eucalipto. Quero vendê não. Meus avós nasceram e morreram aqui, minha mãe nasceu e morreu aqui mais meu pai, eu nasci e quero morrê aqui também. É certo querê. Tenho dois fio, mais eles tão na cidade estudando, disseram que a vida aqui sem estudo não ia dá pra eles não. A mãe deles morreu de pneumonia num inverno difícil há uns anos. Ela era muito jovem ainda, era muito mais moça do que eu. Foi triste demais. Já passamo muita dificuldade, viu. Mais num saio daqui não. Aqui tenho a terra e as semente, posso plantá e posso coiê. Na cidade vô fazê o quê? Nem sei do que é que esse povo todo vive na cidade, como eles consegue existi naquele tipo de casa que mais parece gaveteiro de cemitério, tudo amontoado, os tal apartamento.

Meus fio quando vem me mostra, os estudo deles, um monte de livro, internet que dá pra vê o mundo todo no computador… tem muita judiação ainda no mundo. Precisava disso não. Fico triste quando vejo, mais óio que é pra não ficá ignorando, e pra desejá com o meu pençá que as coisa mióre. Com tanta gente estudando na cidade, as coisa tem que miorá, ocêis não acha?

Incentivo meus fio, ajudo em tudo o que posso eles. Um tá fazendo a faculdade de Agronomia, gosta da roça e é contra esses veneno que começaro a usá quando eu era piá. Meus avós não usava veneno não, eles tinha a sabedoria das planta. Meu minino disse que estuda permacultura2, e me ensina muita coisa que eu sabia quando criança, e fui esquecendo conforme com o tempo a venda começou a oferecê solução pras praga da lavôra. Mais isso não há de ser coisa boa não. Veneno é veneno, né? E se a gente bota na roça, vai acabá indo pro prato, na comida que a gente come.

Gosto quando eles vem pra casa, fica mais alegre acordá com a disposição e as coisa que eles conhece na faculdade. Eles ajuda a podá as árvore, limpá o açude, arrumá as telha do galpão… tem função toda hora. A roça precisa de capina, a horta precisa de rega, os bicho precisa de comida, as cabra tem que i pro pasto, alguém recolhe os ovo no galinheiro e a caxa d’água precisa limpá também. É muito serviço. Mais eu gosto de vê eles sentado por aí com os livro estudando. Sei que tem muito conhecimento pra descobri. Eu nunca tinha escutado “permacultura”, é um nome de livro pras coisa da roça. E tem muito conhecimento. Calendário biodinâmico3 tenho um na minha casa agora também, eles me ensina a oiá essas coisa e eu gosto. A horta rende mais e mió. E eu fico me sentindo mais esperto, sabe como é? É bom.

O outro minino tá na faculdade de Biologia, mas esse é curioso por demais da conta. Ele tem livro de Economia né, esses estudo que fazem da gente e do dinheiro no mundo. Tem livro de Arquitetura, ele diz que adora o estilo que ele mesmo chama de alternativo, tem umas casa muito bonita naqueles livro dele, é. Tem livro de História e gosta muito de Psicologia. Diz que é pra tentá entendê os motivos dessa gente toda no mundo. Na internet mostra coisa que eu nunca imaginei que existisse. Longe daqui, em outras cultura, o povo vive diferente. Nóis gosta de churrasco, com carne de gado, e na Índia a vaca é sagrada, lá eles não come não. Aqui o cachorro é o bicho da casa, o melhor amigo do homi, ele me mostrô na internet, lá na Ásia eles come carne de cachorro e chama de “iguaria”. É iguaria que se fala? É, isso mesmo. Eles penduraro uns mapa aí pelas parede e eu óio vez em quando pra sabê onde fica o lugar que eles tão falando. É um mundão longe demais…

Eu lembro, quando era criança andando por essas roça, que ouvia falá numa tal guerra que tava se passando, era na Alemanha. Nóis tinha uns vizinho que era vindo da Alemanha, mais eles já tinha vindo na época da outra guerra que teve antes ainda, e era difícil sabê o que tava acontecendo, não tinha rádio nem TV em casa, só na venda tinha o rádio que dava pra ouvi. Hoje tem TV com tanto canal que nem sei o que oiá. Eu óio o Globo Rural, programa bom demais. Quem mais usa essa TV são os minino quando tão em casa. Eles óia uns filme sobre bicho, natureza… diz que é documentário. Dá pra percebê que é coisa de gente entendida, explicando as coisa como elas são mesmo… Gosto de vê. Faz nem muito tempo vi um sobre as abelha, com eles dois. Tem muito delas morrendo, e são importante demais da conta pra nossa vida. São elas que poliniza a vida pra nóis.

Eu não fui pra faculdade como os meus fio, aprendi a usá umas letra pro caso de lê alguma coisa muito importante, mais a lida da roça leva muito tempo e eu já tenho as vista bastante cansada, sabe como é? Leio muito pouco, mais eu gosto demais quando os minino lê as coisa pra mim e me mostra o que eles tão estudando. Converso muito com eles, sempre ensinei a pençá do jeito que eu aprendi. Na roça a gente observa a vida e entende o universo. Na cidade se tentá fazê isso, acho que o sujeito enlouquece. Já fui umas vez com eles pra cidade, mais não gosto daquilo… é muito carro fazendo barulho demais, passando pra todo lado. As pessoa caminha como se tivesse fugindo duma assombração, nem se óiam caminhando nas rua. Lá é calçada, tá certo. E se quisé bebê uma água boa, tem que comprá. Precisa de dinheiro pra tudo na cidade. Se não saí com dinheiro, passa fome, sede e até necessidade. Noutro dia tava com eles numa feira na praça e precisei usá o banheiro público porque na cidade não dá pra se escondê atraiz de uma árvore… né? Tive que pagá pra podê entrá e usá o banheiro, e a pessoa que tava lá na porta era muito mau humorada, parecia infeliz mesmo. A gente que é da roça estranha essas coisa. Tamo acostumado a colhê a comida e a tê água sempre farta que vem da terra, fresquinha e cristalina. Nóis não anda com dinheiro nos bolso pra coiê uma bergamota no quintal do vizinho. Não mesmo.

blog4Eu entendo que meus minino tem que estudá porque se quisé arruma uma namorada, não pode mais sê ignorante, e sabe-se lá o que pode acontecê com esse mundo tão diferente do meu tempo. No futuro que eles têm pra vivê ainda, quando eu já não tivé mais por aqui pra cuidá dessas terra. Eu espero que eles cuide. Eu ensinei pra eles tudo sobre a lida o que eu podia ensiná, agora eles aprende lá na faculdade e me ensina também, é uma troca muito justa. Eu deixo com eles a História de um conhecimento, assim. E eles mostra pra mim um conhecimento do futuro. É uma troca rica.

Sei também, porque já faz anos que eles estuda e que essa troca acontece, que nóis é uma família muito unida, sempre fiz deles dois meus grandes amigo, ensinei a confiá e honrá nossa união. Eles conta que os colega lá da faculdade não tem esse tipo de família não. Um dos meus minino namorou uma garota que era muito traumatizada com a família. Essas família moderna de cidade, que trabalha infeliz o dia inteiro porque precisa pagá por tudo. A minina desde nenê passava os dia inteirinho em escola, tem escola que é pra nenê na cidade, ocêis sabe. Quando era criança passava o dia na escola e de noite era colocada sentada no sofá pra vê novela. Isso não é vida não. Quando ela veio aqui uma vez mais meus minino e contou como era essa história, eu fiquei com dó da criança… Tivesse nascido na roça, ia sê mais feliz. Por isso que as vez, dependendo do que me mostram os minino sobre as coisa do mundo, desconfio da tal evolução. Sei não. —.

E aí filhão? Como foi na escola hoje? Teve jogo de futebol? Paquerou alguma coleguinha? Tem que ser macho filhão. Não esquece de fazer o dever de casa. Amanhã de manhã tem o quê? Inglês ou Judô? Ó, vou tomar a minha cerveja e você vai pro quarto estudar, tá? Sabe que não podemos perder tempo nessa vida se quisermos ser alguém importante.

Oi filha. Que cara é essa? Tá de mau humor outra vez? Vou marcar consulta com a psiquiatra pra rever teus medicamentos, tô achando que esses teus já não fazem efeito. Ví num programa de culinária de uma famosa da TV que esses remédios vão perdendo o efeito com o tempo de uso e que precisa aumentar a dose. Levanta daí e vai tomar um banho, eu vou ver a novela, depois esquenta alguma coisa pra você comer. Tá com fome? Tem pizza congelada, é só colocar no microondas e comer. Te amo tá. Vai, vai, vai…

Oi vizinha, tá movimentada a rua hoje né? Toda Segunda-feira agora é esse congestionamento. Olha, eu já não sei mais o que fazer com o meu filho. O guri não quer estudar! Eu passo o maior trabalho pra fazer ele entender que precisa aprender a ler pra ser alguém na vida. O que vai ser dessas crianças que não querem mais nada com nada? Vagabundo não vai ser porque eu não vou deixar. Mááá, não passei trabalho na vida pra criar vagabundo. Levei num psiquiatra que deu Ritalina pra ele usar, mas não tá fazendo efeito…

Mudando de assunto, a Senhora viu o fiasco que o filho drogado da vizinha da esquina fez no final de semana? Nós ficamos apavorados aqui em casa.

Filho meu vai apanhar até virar gente. Ora, onde já se viu. Paguei estudo nas melhores escolas, comprei as melhores roupas de marca, levei no shopping todos os finais de semana e agora não sabe o que fazer da vida? Não quer ser advogado, não quer ser administrador, não quer ser economista nem contador. Diz que não consegue ser médico, e não gosta de matemática e não quer ser engenheiro. Eu trabalhei duro pra criar e agora quero retorno! Custou muito caro a vida inteira, ou tá pensando que a vida é fácil?

Dessa vida o que importa é o que a gente é. De verdade. Não o que tentam impôr na gente. Acho triste de vê umas pessoa que não sabe o que é. Na cidade tem umas muié que anda com salto alto, tão alto que as coitada chega a se curvá pra caminhá, deve sê ruim demais aquilo, não é? É, eu acho que é.

Então não é a roupa que vai fazê a pessoa sê outra coisa, não. Mais as pessoa parece preenchê um vazio na vida com as marca de roupa, com as comida dos xópim… Fui vê aquelas comida, provei uma, deuzolivre. Parecia borracha velha. Não gostei não.

A vida pra mim aqui na roça parece de outro jeito, é diferente. É mais feita de sentimento, da alegria com a lida e com o pençá. É o tempo que vai passando sem a gente percebê direito. Mais esse tempo ensina muita coisa. E a gente aprende com ele… —.

isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além” Paulo Leminski, 2013 – Toda Poesia, p. 228.

___________________________________

[1] Pençá é o título do zine produzido pelo pensador, escrivinhador e artista de rua Eduardo Marinho e Fabio da Silva Barbosa.

[2] Permacultura – Palavra cunhada por Bill Mollison e David Holmgren em meados dos anos 70, para descrever um sistema integrado de espécies animais e vegetais perenes ou que se perpetuam naturalmente e são úteis aos seres humanos. – B. Mollison, & D. Holmgren. Permaculture One. Corgi, 1978.

[3] O calendário astronômico da agricultura biodinâmica tem sido elaborado pela Maria Thum, uma agricultora alemã que, seguindo estes princípios há mais de 50 anos, vem pesquisando a influência dos astros na agricultura, criação de abelhas, panificação e até previsão do tempo. – Do docelimao.com.br em 22/04/2016.

* Fotografia de Jalleh Inemen – Reflexos da Ferrugem / SC.

2 comentários sobre “O homem e a Filosofia – vidas existenciais

    1. Como é que esquecemos e nem percebemos? Parece que acontece algo semelhante com o que contado está, no conto: o homem lembra que na época dos avós não se usava agrotóxicos, e com o tempo o comércio foi oferecendo as soluções… e o conhecimento foi se perdendo.

      nós geralmente lembramos, de que algo foi esquecido. Observo e penso, querendo agir.

      Curtir

Deixe um comentário